Novas obrigações: trabalho análogo à escravidão e due diligence

Foi publicada a Portaria Interministerial Mte/Mdhc/Mir Nº 18, 13/09/2024[1], que “estabelece no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego o Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à escravidão, bem como dispõe sobre as regras que lhes são aplicáveis”.

Esse assunto diz respeito ao RH?

As empresas que têm tudo correto nas suas relações de trabalho e emprego devem se preocupar? Devem fazer algo?

Primeiro, importante saber o que se considera uma condição análoga à escravidão, que encontramos no Código Penal:

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga a de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:    (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

O mesmo artigo também indica as condutas abaixo, como caracterizadoras da mesma condição:

        I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
        II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

Mas isso é assunto de empresa irresponsável, sem relação com a “minha” empresa. Será que realmente não há nada que uma empresa, que sabe não ter nas suas relações de trabalho nada relacionada a tais condutas, deva fazer?

Você já deve ter ouvido falar da “Diretiva Europeia de Sustentabilidade e Direitos Humanos” e algo como devida diligência na cadeia de valor, e também pensado: “isso não tem nada a ver comigo”.

Pois então. Não é verdade.

Na realidade, conceitos de devida diligência na cadeia de valor chegaram previstas expressamente nessa Portaria, e isso não tem a ver só com prestadores de serviços terceirizados com locação de mão de obra da lei conhecida do RH, a lei 6019/74.

O conceito é abrangente e deriva do conceito usado no mundo afora.

A própria Portaria traz o conceito do que é cadeia de valor e o que se espera que as empresas façam com as suas.

Ela define “cadeia de valor” como: “A expressão cadeia de valor se refere a todos os produtos e serviços de uma empresa e inclui todas as etapas necessárias à fabricação e distribuição dos produtos e à prestação dos serviços, desde a extração das matérias-primas até a entrega ao cliente final, independentemente do local de realização.”

E define que:  “Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados que, no âmbito da cadeia de valor da empresa, desenvolva atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.”

Percebeu que todas as empresas que têm relação de serviços, comerciais e outras com sua empresa estão ali?

O que a Portaria espera das empresas – todas – é (art. 17) o monitoramento dos direitos humanos e trabalhistas no ambiente empresarial exigido pelo artigo 7º, inciso VI, que deve seguir um Programa de Gerenciamento de Riscos e Resposta a Violações de Direitos Humanos e Trabalhistas, com princípios de transparência e devida diligência, com duração mínima de 4 anos.

Então, sim, isso é “assunto seu”, e ele não se restringe a ter um relatório de due diligence bonito, feito no momento da assinatura do contrato, com cláusulas contratuais de obrigações de que a contratada vai cumprir com essas diretrizes de trabalho legal, e decente. A sua obrigação é de um monitoramento contínuo, e de reparação de eventuais danos do seu terceirizado e do terceirizado dele, pois a Portaria reconhece como sua obrigação a de “sanear e reparar as violações a direitos humanos e trabalhistas tanto dos trabalhadores contratados diretamente quanto dos trabalhadores terceirizados por fornecedor direto e, ainda, dos trabalhadores quarteirizados por prestadora de serviço terceirizado”.

Não vamos conseguir falar de todos os detalhes aqui, nem é esse o intuito, mas sim mostrar que a Portaria existe, está em vigor, e qualquer empresa será cobrada dela.

E onde o RH entra nisso? Isso não é assunto só de Compliance?

Em primeiro lugar não há “assunto de Compliance”, há assuntos da empresa que devem ser analisados e cuidados por todos os departamentos, afinal, ninguém espera que Compliance cuide de tudo e saiba tudo. Esse departamento, quando existir, deve estar ciente de todas as regras, e deve se valer de especialistas nos temas específicos, para encontrar a melhor forma de agir.

Em segundo lugar, nem todas as empresas têm setor de Compliance. Muitas, nem jurídico interno.

Então, você pensa: “ok, mas e o RH?”

É nesse tipo de empresa que o RH vai atuar mais forte, mas mesmo nas outras deve ter uma atuação, especialmente quanto a verificação de obrigações trabalhistas, de folha, de segurança do trabalho em conjunto com o SESMT.

Portanto, é um assunto multidisciplinar que vai envolver, quando houver, o Compliance, mas sempre o jurídico, interno ou externo, o RH, o SESMT, e, óbvio, a direção da empresa.

Meu conselho ao RH:

1. Leve o assunto ao jurídico e ao Compliance, quando houver,
2. Leve à direção da empresa, para que uma estratégia possa ser traçada.

De maneira mais proativa, veja se seus fornecedores têm obrigações contratuais a que o RH deva olhar, como regularidade de folha de pagamento e outros. E se o RH está mesmo olhando com cuidado para elas.

Essas são só dicas iniciais.

Contatem os departamentos da sua empresa que atuem nessa área para que nenhuma surpresa desagradável traga um risco externo para dentro.

E lembre-se, uma due diligence de papel e cláusulas contratuais não vai servir. O trabalho de verificação em campo vai ser essencial.

Fonte: Rh Pra Você

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