“Mês dos Pais”, e muita gente pensando: quais são os direitos dos pais? E eu pensando: ouvi parentalidade? Não? Que pena. Já falei disso nessa coluna em maio.
Na pesquisa efetuada pelo “Movimento Mulher 360º”[1], encontramos a afirmativa de que: “Interessante notar que, com relação à licença-maternidade, os pais são proporcionalmente mais partidários da ideia de aumentar a duração para 180 dias só para mães, com adesão ao Programa Empresa Cidadã, do que da outra alternativa: ampliar a duração de 120 dias com adição de 55 dias a serem partilhados livremente entre os cônjuges. (…)”
Apesar dessa resistência masculina, as notícias de tais políticas de licenças parentais para homens e mulheres têm sido mais constantes:
Grandes empresas passam a oferecer licença-paternidade maior no Brasil[2]
Empresas passam a oferecer licença-paternidade de até seis meses[3]
Nada de novo no front, por ora.
Porém, os direitos dos pais se limitam à licença-paternidade de 5 dias, podendo chegar a 20 na empresa cidadã, desde que o pai opte para tanto e faça um curso.
Ops, curso?
Isso, o legislador acha que pai não sabe ser pai, só mãe é aceita “sem formação”. O Ato de Disposições Transitórias da CF/88 estabelece uma licença-paternidade de 5 dias.
A lei da empresa cidadã prorroga esse prazo por mais 15 dias. Mas:
Ela se aplica aos empregados de empresas que aderirem ao programa previsto na lei;
O pai pode optar pela licença, em dois dias após o parto
Desde que o pai prove que fez um curso de “paternidade responsável”.
Isso mesmo, o pai deve, conforme texto legal: “comprove a participação em programa ou atividade de orientação sobre paternidade responsável”.
Isso. Sem formação, só mãe.
E então você fica pensando, como chegaremos à pauta parental, com essa visão (não vou qualificá-la) de que o pai não sabe ser pai?
Muito bem, ultrapassada essa questão da licença-paternidade básica de 5 longos dias a que todo pai tem direito ou do acréscimo de mais 15 dias nas empresas que aderiram ao programa “empresa cidadã”. Somente as empresas de lucro real podem se inscrever, e nem todas elas o fazem, como mostra o relatório da Promundo, “A situação da paternidade no Brasil — Tempo de Agir”, de 2019, que constata que[4]:
Infelizmente, até 2017, apenas 12% das 160 mil empresas elegíveis haviam aderido ao Programa Empresa Cidadã. Dessa maneira, a esmagadora maioria dos novos pais brasileiros continua sem poder desfrutar desses novos benefícios. Dados de 2018 apontam para um pequeno crescimento na adesão, totalizando 21.246 empresas cadastradas no Programa.
Assim, vamos garimpar alguns outros direitos, além dessa imensa licença-paternidade voluntária.
Enquanto a licença parental não vem, o pai tem ainda alguns direitos, como as faltas justificadas do art. 473 da CLT:
X — pelo tempo necessário para acompanhar sua esposa ou companheira em até 6 (seis) consultas médicas, ou em exames complementares, durante o período de gravidez; (Redação dada pela Lei nº 14.457, de 2022)
XI — por 1 (um) dia por ano para acompanhar filho de até 6 (seis) anos em consulta médica.
E sobre licença-maternidade para outras pessoas que não a mãe biológica?
A CLT já reconhece alguns direitos ao adotante e ao guardião conjunto da criança, nesse último caso, somente um deles terá direito:
Art. 392-A. À empregada que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança ou adolescente será concedida licença-maternidade nos termos do art. 392 desta Lei.
• 5º A adoção ou guarda judicial conjunta ensejará a concessão de licença-maternidade a apenas um dos adotantes ou guardiães, empregado ou empregada.
Já se o homem é adotante, ele tem direito à licença-maternidade:
Art. 392-C. Aplica-se, no que couber, o disposto no art. 392-A e 392-B ao empregado que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção
Em caso de morte da mãe durante a licença-maternidade, o pai pode assumi-la:
Art. 392-B. Em caso de morte da genitora, é assegurado ao cônjuge ou companheiro empregado o gozo de licença por todo o período da licença-maternidade ou pelo tempo restante a que teria direito a mãe, exceto no caso de falecimento do filho ou de seu abandono.
Alguém sentiu falta do pai biológico aí, ou só eu?
Como já tratei acima, algumas empresas têm programas de licença parental por regras internas.
Mas nada ainda governamental que obrigue a isso. A própria empresa cidadã fez um esforço tímido nesse sentido, ao permitir que os 60 dias restantes da licença-maternidade estendida pudessem ser gozados pelo pai:
Art. 1 lei 11760/08
• 3º A prorrogação de que trata o inciso I do caput [os 60 dias] deste artigo poderá ser compartilhada entre a empregada e o empregado requerente, desde que ambos sejam empregados de pessoa jurídica aderente ao Programa e que a decisão seja adotada conjuntamente, na forma estabelecida em regulamento. (Incluído pela Lei nº 14.457, de 2022)
• 4º Na hipótese prevista no § 3º deste artigo, a prorrogação poderá ser usufruída pelo empregado da pessoa jurídica que aderir ao Programa somente após o término da licença-maternidade, desde que seja requerida com 30 (trinta) dias de antecedência
Mas, nem no decreto 10.854/22 que regulamenta as regras da empresa cidadã, nem na lei 8213/91 que trata do salário maternidade, e já regulamenta os demais artigos da CLT que falamos acima, há qualquer regra sobre essa prorrogação ser do pai e não da mãe.
A intenção foi boa (já dizia minha avó, que o inferno é pavimentado por elas), mas só esqueceram do regulamento, então continuamos com a mãe mesmo.
Já há muitos anos há alguns esforços legislativos, uns mais outros menos machistas. A Previdência Social se preocupa com o assunto, e em 2023 emitiu uma Nota Técnica sobre ele[5].
Sim, mas pelo viés financeiro… A Nota Técnica diz (pág. 11/12)
Em um primeiro cenário, é considerada a criação de um benefício previdenciário, com valores assumidos pela Previdência Social. Assim, caso a licença-paternidade seja igualada à licença-maternidade, como ocorreu na Espanha, e ambos os progenitores tenham direito a um benefício previdenciário de 4 meses, equivalente ao salário-maternidade, e considerando que o salário dos homens é aproximadamente 12% maior que o das mulheres, [ops! de novo], o valor total das licenças parentais seria de R$ 23,510 bilhões, ou seja, um custo adicional de R$ 12,420 bilhões ao ano. Alternativamente, se a licença-paternidade fosse estendida em um mês, com a criação do salário paternidade, o custo do benefício seria de aproximadamente R$ 2,866 milhões ao ano.
E mesmo quando parece que a coisa vai… o dinheiro aparece de novo: (pág. 12)
A vantagem de se igualar as licenças seria de reduzir drasticamente a desigualdade no mercado de trabalho, decorrente do fato de que muitos empregadores deixam de contratar ou de promover as mulheres por causa da licença-maternidade. No entanto, tal medida representa custos elevados, que deverão ser assumidos pelos cofres públicos ou pela iniciativa privada.
Surgiram alguns esforços legislativos, e um que está andando é o PL 3773/2023[6], que define (art. 3º) como parentalidade, o “vínculo sócio-afetivo, maternal, paternal, adquirido no nascimento de filho e por meio da adoção, ou da guarda judicial com fins de adoção, que se caracteriza pela prestação de atividades voltadas aos cuidados de criança ou adolescente, sujeita aos deveres e aos direitos características da relação entre pais, mães e filhos.”
E reconhece o direito “do recém-nascido, da criança e do adolescente dependentes de cuidados contarem com os seus pais e mães, especialmente na ocasião de seu nascimento ou de sua adoção” (art. 4º)
O PL traz uma gestão dos custos e uma modernidade ao permitir que pai e mãe tenham a licença em até 120 dias.
Art. 5º Na prestação dos cuidados referidos no art. 4º desta Lei, caracterizada pelo exercício da parentalidade, pai e mãe terão direito ao usufruto da licença-maternidade e da licença-paternidade.
• 1º Para exercer a licença-maternidade ou a licença-paternidade, a pessoa beneficiária poderá ausentar-se do trabalho pelo período de 120 (cento e vinte) dias contados a partir da data de nascimento ou da adoção de criança ou adolescente dependente de seus cuidados, sem prejuízo de emprego e salário.
• 2º Observado o limite total de 120 (cento e vinte) dias estabelecidos no § 1º do caput deste artigo, a licença-maternidade e a licença-paternidade poderão ser compartilhadas entre o pai e a mãe, da maneira considerada mais apropriada para cada um deles, inclusive de modo concomitante.
Ou seja, pai e mãe podem compartilhar o período de 120 dias.
No caso da adoção, já há a possibilidade de escolha de quem ficará em licença, independentemente do gênero, apesar de ainda não haver a possibilidade de compartilhamento.
Isso meio que resolve a preocupação da previdência com o dinheiro, já que serão os mesmos 120 dias parte gozada por um dos pais, parte por outro. Não é o mundo ideal, mas dizem por aí, o ótimo é inimigo do bom.
Mas a questão, é sendo facultativo quantos pais optarão pelo compartilhamento? E mais uma vez o relatório do Promundo já citado acima, dá uma dica, agora na sua página 65:
Embora muitas vezes assumamos que os homens priorizam o trabalho aos seus filhos, a realidade é que os homens se importam em envolver-se no cuidado de seus filhos e filhas.
Mais de 78% dos pais entrevistados acreditam que os pais deveriam tirar licença para se relacionar com o filho e 64% disseram que estariam dispostos a fazer um “curso de pai” para aumentar sua licença paternidade de 5 dias para 20 dias.
Mas, quando na página 66 do relatório a resposta ao quesito de se esses profissionais entendem que teriam apoio de seus chefes mostra que só 42% deles acreditam que teriam esse apoio, eu fico pensando: dos que gostariam de tirar, quantos a tirariam?
E logo abaixo, na mesma página, vemos:
Apenas 44% das mães e 48% dos pais concordarem que seus gerentes os apoiariam para ter um bom equilíbrio entre vida pessoal e profissional — e o mesmo vale para 44% das mulheres sem filhos e 46% dos homens sem filhos. Este também é o caso de estar à vontade pedindo flexibilidade após o nascimento do filho / adoção — menor nível de conforto expresso por mulheres sem filhos (55%), seguido por mães (58%) e pais (60%), e então homens sem filhos (61%).
Então, “sem mais delongas”, brevemente podemos dizer que a relação paternal precisa ser urgentemente desenvolvida, nos moldes mesmo do PL “vínculo socioafetivo, maternal, paternal, adquirido no nascimento de filho e por meio da adoção, ou da guarda judicial com fins de adoção”, ou seja, a visão social e empresarial precisa mudar.
A licença compartilhada precisa ser algo melhor trabalhada, e talvez obrigatória, ainda que por um menor período conjunto de início com aumento gradativo. Obrigatório porque a alteração cultural demorará muito mais.
Até lá, espero que tenham tido um Feliz Dia dos Pais.
Sua empresa deu presente ou fez homenagem enquanto a licença parental não vem?
Fonte: RH Pra Você
[1] https://movimentomulher360.com.br/wp-content/uploads/2022/04/relatorio_pesquisa_parentalidade_nas_empresas.pdf [2] Leia mais em: https://forbes.com.br/carreira/2023/03/grandes-empresas-passam-a-oferecer-licenca-paternidade-no-brasil/ (2023) [3] https://vocerh.abril.com.br/politicasepraticas/empresas-oferecem-licenca-paternidade-de-seis-meses (2022) [4] https://promundo.org.br/wp-content/uploads/2019/08/relatorio_paternidade_promundo_06-3-1.pdf pág. 48 [5] https://www.gov.br/previdencia/pt-br/assuntos/previdencia-social/informes-de-previdencia-social/2023/informe-de-previdencia-social-janeiro-2023.pdf recuperado em 11 de agosto de 2024. [6] https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9426285&ts=1721845195031&disposition=inline