As mulheres na categoria metalúrgica

AS MULHERES NO MERCADO DE TRABALHO BRASILEIRO: MAIS DO MESMO?

A heterogeneidade e a desestruturação do mercado de trabalho brasileiro aprofundam as desigualdades que as mulheres vivem antes, durante e após seu ingresso no mundo laboral. A maior desestruturação do mercado de trabalho durante a pandemia, conforme já demonstrado anteriormente,[1] reforçou suas desigualdades estruturais, afetando fortemente as mulheres.

Segundo estudo do Dieese, no quarto trimestre de 2023, 66,2 milhões de pessoas estavam fora da força de trabalho, sendo 42,8 milhões mulheres, 64,6% do total. A pandemia também afetou mais as mulheres. Enquanto a participação dos homens retornou ao nível pré-pandêmico, as mulheres sentiram mais dificuldades para voltar e com maiores taxas de desemprego e, mesmo com a retomada da economia, muitas ainda não retomaram o trabalho.

A taxa de desocupação das mulheres diminuiu de 9,8% para 9,2% entre os quartos trimestres de 2022 e 2023 (saída de 271 mil mulheres do contingente de desocupados) e, no quarto trimestre de 2023, elas representavam a maioria dos desocupados (54,3%), dentre as quais 35,5% eram negras e 18,9%, não negras.

A taxa de desocupação das mulheres negras foi de 11,1% (2,8 milhões de desocupadas, contra desocupação de 1,5 milhão de mulheres não negras – taxa de 7%).

A subutilização da força de trabalho é uma categoria que evidencia uma das formas de precariedade do mercado de trabalho, ou seja, as pessoas trabalham menos do que gostariam e precisam. A taxa de subutilização entre as mulheres cresceu: entre as negras passou de 7% para 7,3% e entre as não negras, de 4,5% para 4,8%.

O rendimento médio mensal no quarto trimestre de 2023 das mulheres (R$ 2.562) foi 22,3% menor do que o recebido pelos homens (R$ 3.323). Entre os que terminaram o ensino superior, as mulheres ganhavam, em média, R$ 4.701, 35,5% a menos do que o rendimento masculino (R$ 7.283). Diretoras e gerentes (R$ 5.900) recebiam 29,5% a menos do que os homens (R$ 8.363), no quarto trimestre de 2023.

Os dados refletem as inúmeras dificuldades enfrentadas pelas mulheres no mercado de trabalho: a) dificuldade de conciliar os afazeres domésticos (enquanto as mulheres ocupadas dedicavam, em média, quase 17 horas semanais com afazeres da casa e da família, em 2022, a média dos homens foi de 11 horas); b) dificuldade das mulheres em conseguir creches; c) a necessidade de participar de cursos fora da jornada de trabalho, entre tantas outras dificuldades.

O RAMO METALÚRGICO E A DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO

O ramo metalúrgico é uma atividade econômica predominantemente masculina. Essa característica ilustra as relações de gênero estruturantes do mercado de trabalho, em que as mulheres têm maiores dificuldades de ingressar em determinadas atividades com forte valor social agregado.

Os entraves ao ingresso das mulheres no ramo metalúrgico são estruturais, assim como na maior parte dos ramos industriais. Isso é um exemplo ilustrativo da divisão sexual do trabalho, tendo em vista que o ramo metalúrgico se caracteriza por altas taxas de:

– sindicalização;

– formalização (com maior proteção laboral) e

– remunerações.

Segundo Kergoat,[2] a divisão sexual do trabalho é regida por dois princípios organizadores: o de separação, ou seja, existem trabalhos masculinos e femininos; e o hierárquico, pelo qual os trabalhos dos homens valem mais do que os das mulheres. Esses princípios são norteadores de todas as sociedades, sendo legitimados pela ideologia naturalista, que reduz as práticas sociais a papéis sexuais. No entanto, as modalidades da divisão sexual do trabalho variam no tempo e no espaço.

O Brasil é um país marcado pela desigualdade de gênero, que permeia as relações sociais, definindo os espaços de mulheres e homens no mercado de trabalho em todas as atividades e ocupações. Apesar de a população feminina ser maioria no Brasil, as mulheres enfrentam mais dificuldades de inserção e promoção no mercado de trabalho formal. A participação feminina no setor metalúrgico cresceu ao longo dos últimos dez anos, porém onde há maior concentração feminina a diferença salarial é a maior.

A participação das mulheres no setor metalúrgico no Brasil também cresceu nos últimos dez anos e, de acordo com os dados do Ministério da Economia – RAIS 2021, atingiu o melhor resultado em 2014, com 19,1%, participação próxima a 2021, cuja taxa ficou em 19%, conforme observa-se no gráfico abaixo.

Participação das mulheres no setor metalúrgico
Brasil, 2010-2021

As desigualdades salariais persistem no ramo metalúrgico. As mulheres receberam em média, 21,2% a menos que a remuneração dos homens em 2021.

Trabalhadores no ramo metalúrgico e remuneração média, por sexo

A maioria das mulheres metalúrgicas (90%) encontra-se nos estados de São Paulo (39%), Minas Gerais (12%), Rio Grande do Sul (11%), Santa Catarina (10%), Paraná (8%), Amazonas (6%) e Rio de Janeiro (4%), acompanhando a distribuição do total da categoria no país. Dentre essas localidades selecionadas, as maiores diferenças salariais entre homens e mulheres são observadas em primeiro lugar no Amazonas (-27,7%), por causa da elevada concentração de mulheres no segmento eletroeletrônico; seguido de Minas Gerais (-26,3%), Santa Catarina (-25,4%), Rio Grande do Sul (-23,1%), São Paulo (-20,7%), Paraná (-17,7%) e Rio de Janeiro (-6,4%).

Trabalhadores no ramo metalúrgico e remuneração média, por sexo e unidade da federação
Brasil – 2021

As dificuldades de inserção e permanência que as mulheres enfrentam no mercado de trabalho são aprofundadas sob a análise de cor/raça. As metalúrgicas negras receberam, em média, 22,9% a menos que os homens negros; mas se analisarmos a remuneração das negras em comparação com os homens não negros, elas receberam 45,3% a menos. Na análise por cor, as mulheres pretas receberam 48,3% a menos em comparação aos homens não negros, enquanto as pardas tiveram remuneração 44,8% menor, na mesma base de comparação.

Trabalhadores no ramo metalúrgico e remuneração média, por sexo e cor/raça
Brasil – 2021

A análise das remunerações considerando a jornada média das mulheres evidencia que as desigualdades permanecem, mesmo as mulheres possuindo as mesmas jornadas masculinas. Em 2021, 85,5% das metalúrgicas trabalharam entre 41 e 44 horas semanais e a diferença salarial foi de -18,8% em relação aos homens. A variação aumenta conforme muda a jornada. A maior variação é verificada na jornada média entre 21 e 30 horas semanais, com -29,8% comparativamente à dos homens.

Jornada de trabalho no ramo metalúrgico e remuneração média, por sexo
Brasil – 2021

Em relação ao tempo de permanência no emprego, indicador importante para a análise da rotatividade, verifica-se que a diferença salarial entre homens e mulheres aumenta, conforme aumenta o tempo de permanência no emprego. Entre 6 e 12 meses no emprego as mulheres percebem rendimentos 14,4% menor do que os homens. À medida que o tempo de emprego sobe, a desigualdade cresce também, com as mulheres recebendo -22,4% em relação aos homens, na faixa acima de dez anos de emprego (Tabela 5).

Tempo de permanência no emprego no ramo metalúrgico, por sexo
Brasil – 2021

Seguindo a tendência do mercado de trabalho em geral, as mulheres metalúrgicas são mais escolarizadas em relação aos homens. Em 2021 quase 27,9% de mulheres possuíam ensino superior (completo e/ou incompleto), enquanto os homens mantiveram sua participação, com 15,5% nesse nível de escolaridade. Segundo os dados da RAIS, as mulheres com o ensino médio completo passaram a concentrar 58,5% da categoria, enquanto os homens concentraram nessa faixa 63,2%.

No entanto, quanto maior a escolaridade das mulheres, maior a desigualdade na remuneração. Embora a desigualdade na remuneração entre homens e mulheres metalúrgicos seja em média de -21,2%, entre trabalhadores/as com ensino superior completo ou incompleto, a diferença é maior do que 30%, chegando a 36%, quando há superior completo.

Escolaridade no ramo metalúrgico e remuneração média, por sexo
Brasil – 2021

No período entre 2002 e 2013, as mulheres ingressaram no ramo metalúrgico de forma mais profunda, principalmente no segmento eletroeletrônico, cuja participação feminina passou de 10,4%, em 2002, para 36,3%, em 2013. Essa dinâmica pode estar associada ao tipo de trabalho executado nesse segmento, que requer o manuseio de pequenos objetos e motricidade fina, características associadas às mulheres. Movimento contrário ocorreu no segmento de bens de capital, onde a participação feminina era de 29,6%, em 2002, caindo para 18,8%, em 2013.

De lá para cá, a participação feminina reduziu-se no ramo, terminando em 2020 com 18,4% de mulheres (359.536 trabalhadoras). Em 2021 o emprego feminino metalúrgico cresce e assume 19% de participação.

O segmento eletroeletrônico manteve a maior presença de mulheres, com 33,9% de participação em 2021. Esse segmento, porém, é o que apresenta a maior diferença de remuneração média das mulheres em relação aos homens (-28,5%), seguido do automotivo, cuja remuneração média das trabalhadoras foi 28,1% a menos do que os homens.

Distribuição dos trabalhadores no ramo metalúrgico, por segmento, sexo e remuneração média
Brasil – 2021

Em todos os grupos ocupacionais as diferenças salariais entre mulheres e homens são superiores à média. Nos empregos em áreas ligadas à produção (chão de fábrica), a diferença remuneratória foi de -29,0%, com as mulheres recebendo R$ 2.163 e os homens R$ 3.047. As trabalhadoras dos serviços administrativos recebem 22,5% a menos que os homens. Em cargos técnicos de nível médio, as mulheres metalúrgicas perceberam remuneração 25,8% menor em relação aos homens.

Emprego metalúrgico, por grupo ocupacional, sexo e remuneração média
Brasil – 2021

Lei da igualdade salarial no Brasil: conquista das mulheres

A Lei nº 14.611/2023 estabelece que empresas com mais de cem empregados são obrigadas a publicar semestralmente relatórios de transparência salarial e critérios remuneratórios com informações que permitam a comparação entre salários, remunerações e a proporção de ocupação de cargos de direção, gerência e chefia, bem como dados estatísticos com informações sobre possíveis desigualdades de raça, etnia, nacionalidade e idade.[3]

Das trabalhadoras metalúrgicas, 63,3% delas (252.240) estão em empresas com mais de cem empregados e serão abrangidas pela lei de igualdade salarial. Porém, 36,6% ou 145.848 delas não serão contempladas com a lei.

Distribuição dos trabalhadores metalúrgicos, por sexo e tamanho do estabelecimento
Brasil – 2021

A lei de igualdade salarial altera o artigo 461 da CLT[4]:

COMO ERA:

Parágrafo 6º No caso de comprovada discriminação por motivo de sexo ou etnia, o juízo determinará, além do pagamento das diferenças salariais devidas, multa, em favor do empregado discriminado, no valor de 50% (cinquenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

COMO FICOU:

Parágrafo 6º Na hipótese de discriminação por motivo de sexo, raça, etnia, origem ou idade, o pagamento das diferenças salariais devidas ao empregado discriminado não afasta seu direito de ação de indenização por danos morais, consideradas as especificidades do caso concreto.

Parágrafo 7º Sem prejuízo do disposto no § 6º, no caso de infração ao previsto neste artigo, a multa de que trata o art. 510 desta Consolidação corresponderá a 10 (dez) vezes o valor do novo salário devido pelo empregador ao empregado discriminado, elevada ao dobro, no caso de reincidência, sem prejuízo das demais cominações legais.” (NR)

Ou seja, a lei amplia a definição de discriminação salarial e estabelece multa em patamares mais elevados. Além disso, a lei cria mecanismos de transparência e efetividade da equiparação, no Artigo 4º, ao definir:

– transparência salarial e de critérios remuneratórios;

– fiscalização contra a discriminação salarial entre mulheres e homens;

– disponibilização de canais para denúncias;

– promoção e implementação de programas de diversidade e inclusão no ambiente de trabalho; e fomento à capacitação e à formação de mulheres para o ingresso, a permanência e a ascensão no mercado de trabalho em igualdade de condições com os homens.

A lei determina a publicação semestral de relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios pelas empresas com cem ou mais empregados e prevê: a) multas para o descumprimento da publicação de relatórios; b) que as empresas em situação de desigualdade deverão apresentar Plano de mitigação de desigualdades, com metas e prazos e c) o governo deve criar plataforma para acesso a informações.

Os critérios remuneratórios possuem um papel crucial para eliminar as desigualdades salariais entre homens e mulheres no mercado de trabalho, ao estipular que o valor monetário de uma ocupação não poderá ser definido por discriminações de gênero.

A participação de representantes das entidades sindicais e dos empregados nos locais de trabalho está assegurada na lei, aspecto altamente relevante para ampliar a efetividade da lei. Porém, essa participação deve estar definida em norma coletiva de trabalho e permite, além disso, a comissão de trabalhadores, eleita conforme o artigo 510-A da Consolidação das Leis do Trabalho,[5] em caso de não haver definição da presença das entidades sindicais em norma coletiva.

A lei de igualdade salarial assume importância ímpar para colaborar na eliminação de desigualdades salariais entre homens e mulheres no mercado de trabalho e o movimento sindical desempenha papel fundamental na efetivação dessa legislação, com destaque para as mulheres sindicalistas.

Fonte: Diplomatique

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