Trabalhadores brasileiros que atuam em aplicativos de transporte, entrega e serviços têm condições de trabalho injustas e sem proteção social. A conclusão é do estudo de 2023 do Fairwork Brasil, que avalia e classifica as condições de trabalho em plataformas digitais.
As pontuações atribuídas aos apps abrangem o período de 12 meses entre julho de 2022 e julho de 2023. A nota, de 0 a 10, é definida a partir de cinco critérios: remuneração, condições, contrato, gestão e representação. Quanto mais baixa a pontuação, mais distante a empresa está do cumprimento dos princípios avaliados.
Os pesquisadores — coordenados pelo pelo Oxford Internet Institute e pelo WZB Berlin Social Science Center — avaliaram dez plataformas que atuam no Brasil: 99, Americanas Entrega Flash, AppJusto, GetNinjas, iFood, Lalamove, Loggi, Parafuzo, Rappi e Uber.
Apenas três das empresas tiveram pelo menos um ponto. É o caso das plataformas de entregas AppJusto e iFood, que recebem notas 3 e 2, respectivamente. Já a Parafuzo, de serviços de faxina, teve nota 1. As outras sete companhias receberam nota 0.
— O diagnóstico é que, na comparação da última edição, o estudo desse ano tem mais permanências do que mudanças na economia das plataformas no Brasil — afirma Rafael Grohmann, professor de Estudos Críticos de Plataformas da Universidade de Toronto e um dos coordenadores da pesquisa no Brasil.
38 países
O estudo segue a mesma metodologia na avaliação de plataformas em 37 países dos cinco continentes. Aqui, 20 pesquisadores de sete universidades brasileiras participaram do desenvolvimento do relatório.
Grohmann pontua que, “ainda que de maneira tímida”, a pesquisa constatou no Brasil um mesmo movimento observado em outros países: plataformas locais com pontuações melhores que as empresas globais – caso, por aqui, da AppJusto, plataforma paulista de entregas criada há dois anos.
Além disso, ele destaca a importância da participação dos trabalhadores na dinâmica de funcionamento do modelo de negócio. O professor cita, por exemplo, uma plataforma cooperativa de trabalho doméstico do Equador, que obteve nota 8:
— Mostra como outros modelos de plataformas são também possíveis.
Entenda como funciona a pontuação
Além de pesquisa documental — com base na avaliação dos aplicativos e sites das empresas, reportagens sobre o assunto e contratos de termos e condições —, os pesquisadores também entrevistaram trabalhadores das plataformas e conversaram com as empresas, pedindo que elas enviassem evidências de que os pontos analisados são implementados.
Os parâmetros foram definidos a partir de pesquisas sobre o tema e reuniões entre os operadores das plataformas, sindicatos e pesquisadores na Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), em Genebra, na Suíça.
As plataformas recebem dois pontos pela implementação de cada princípio avaliado:
• Remuneração justa: Para receber o primeiro ponto, as plataformas precisam garantir que todos os trabalhadores ganhem pelo menos o salário mínimo por hora considerando os custos do trabalho. Além disso, precisam evidenciar que todos os trabalhadores são pagos de forma pontual – sem atrasos – e de forma integral.
• Condições justas: Para cumprir este ponto, os apps devem evidenciar que treinamento e equipamentos adequados são fornecidos – sem custos – a todos os trabalhadores em termos de proteção de saúde e segurança. Também a plataforma precisa fornecer apoio adequado aos trabalhadores e desenhar processos tendo saúde e segurança ocupacional em mente.
• Contratos justos: Nesse quesito, as empresas precisam demonstrar que o contrato ou termos e condições são claros, transparentes e acessíveis a todos os trabalhadores.
• Gestão justa: As plataformas devem prover o devido processo para decisões que afetam os trabalhadores, como a existência de um canal fácil e acessível para trabalhadores comunicarem-se com seres humanos na plataforma e conseguirem resolver seus problemas de forma efetiva. O canal precisa estar documentado em contrato e disponível na interface da plataforma, e a empresa precisa responder os trabalhadores em um tempo razoável.
• Representação justa: Empresas devem assegurar liberdade de associação e da expressão da voz coletiva de trabalhadores. Isso significa haver mecanismo documentado para expressão da voz coletiva de trabalhadores que permita a todos os trabalhadores se organizarem sem riscos.
Veja o que diz cada empresa
99 – nota 0
A 99 está continuamente empenhada em disponibilizar melhores condições para os motoristas parceiros da plataforma. De acordo com pesquisa realizada pelo Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) em parceria com a Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia), os condutores que utilizam a intermediação de aplicativos para obter ganhos têm renda líquida média mensal de R$ 2.925 a R$ 4.756, com jornada semanal de 40 horas. O estudo mostra ainda que 64% pretendem continuar trabalhando por meio de plataformas.
Como empresa de inovação em constante evolução, a iniciativa se soma a outras que a empresa desenvolve para fortalecer o diálogo e a transparência. Estamos atentos a agendas internacionais, como a Agenda 2030 via Pacto Global e respeitamos as especificidades das cidades, buscando parcerias locais.
Para a 99, o bem-estar dos motoristas parceiros é prioridade, e trabalhamos diariamente, nos últimos 10 anos, para melhorar sua jornada. Atualmente, a plataforma conecta 1 milhão de motoristas parceiros cadastrados a mais de 20 milhões de usuários mensalmente nas 3.300 cidades onde atua, em quatro e duas rodas. A empresa foi a primeira do segmento a lançar, no dia 23 de março de 2022, o Adicional Variável de Combustível, um auxílio no ganho do motorista parceiro, que aumenta sempre que o preço da gasolina sobe.
A medida foi lançada pelo DriverLAB, um centro de inovações da 99, 100% focado nos motoristas, com investimento previsto de R$250 milhões até 2025. A iniciativa tem como meta fortalecer os ganhos dos motoristas parceiros e impulsionar soluções sustentáveis, a Aliança pela Mobilidade Sustentável, composta por empresas do setor da mobilidade urbana e liderada pela 99, que impulsiona a infraestrutura para veículos sustentáveis no país.
Como empresa parceira , sempre busca ouvi-los e criar iniciativas a partir desses feedbacks, foram criados programas como Kit Gás, que facilita o acesso dos motoristas parceiros a um combustível mais econômico e sustentável e o pacote Mais Ganhos 99, com medidas como o 99Taxa Zero que oferece aos condutores 100% do valor das corridas em períodos e cidades específicas, além de mais ganhos com o recebimento por taxa de congestionamento, e taxa de deslocamento continuam vigentes, e o Taxa Garantida, taxa semanal garantida de 19,99%.
Americanas Entrega Flash – nota 0
A empresa não respondeu até o fechamento da reportagem.
AppJusto – nota 3
O AppJusto nasceu em resposta às paralisações promovidas em abril de 2020, pensado para equilibrar o ecossistema e fortalecer a figura do entregador, que tem autonomia para definir o valor do próprio trabalho. Todas as principais reivindicações da categoria – mínimo de R$ 10 por corrida, fim de bloqueios sem direito de defesa e código de confirmação em todas as corridas – já eram parte da plataforma desde o início, assim como a possibilidade de as pessoas definirem as bases sobre as quais querem trabalhar sem serem punidas por isso. Essa é a medida de quão comprometidos somos com a causa do trabalho decente e com a busca por constante aperfeiçoamento da nossa operação.
Acreditamos que o AppJusto deveria ter recebido pelo menos mais dois pontos, relativos aos itens 3.2 e 5.1 e estamos em contato com a equipe do Fairwork para entender melhor o que faltou. Para todos os outros, nosso objetivo é o mesmo: continuar aperfeiçoando a plataforma para manter a melhor relação possível com as pessoas que fazem entrega.
Para outros pontos, nossa perspectiva é que a metodologia analisa as plataformas sob uma perspectiva de relação de trabalho tradicional sem considerar o grau de autonomia que as plataformas dão para as pessoas que a usam. Nossa plataforma permite que as pessoas definam o valor do próprio trabalho e não tem nenhum tipo de coação ou punição por não aceitação de corridas. Essa análise é fundamental nas relações de trabalho e sua desconsideração leva a alguns pressupostos de relação de trabalho que não cabem a profissionais autônomos. Como exemplo, a exigência em fornecer equipamentos de segurança. A pessoa deveria receber capacete de todas as plataformas? Desde a primeira corrida? E se parar de fazer, devolve?
Isso leva a outra questão que é o caminho da mudança. Ao invés de depender da mudança pelas próprias plataformas, o que vimos que não aconteceu desde o relatório anterior, achamos que o melhor caminho é o da regulamentação para todas as plataformas.
Por fim, deixo o link da página que criamos para divulgar todas as ações que fizemos em prol do trabalho decente: https://appjusto.com.br/trabalho-decente
GetNinjas – nota 0
O GetNinjas esclarece que o modelo de operação da plataforma difere das demais empresas citadas pelo levantamento e não se encaixa nos critérios da pesquisa, visto que o GetNinjas opera como um classificado online, em que prestadores de serviço – o que inclui micro e pequenos empreendedores – anunciam seus serviços e conseguem novos potenciais clientes. Em outras palavras, os profissionais utilizam a plataforma como um canal de anúncio para divulgar serviços e negociar com potenciais clientes. O contato, negociação e pagamento do serviço entre profissional e cliente são realizados fora da plataforma, ou seja, são os prestadores que definem preço, horário e condições do serviço junto ao cliente. Por isso, reforçamos que o nosso funcionamento e perfil de usuários se diferencia dos demais citados na pesquisa.
iFood – nota 2
É prioridade do iFood criar um ecossistema que garanta dignidade, ganhos e transparência para os entregadores e entregadoras que trabalham com a plataforma. Desde 2020, o iFood se posiciona a favor do diálogo e de uma regulação que amplie a proteção social dos trabalhadores, além de promover inúmeras iniciativas de valorização da categoria.
Junto ao Fairwork Brasil, reafirmamos nossa postura de colaboração, desde o primeiro relatório lançado no país em 2021, com participação ativa nas fases de entrevista e envio de evidências. Lamentamos que a nota do iFood no relatório deste ano não reflita os avanços que obtivemos em muitas agendas em prol dos trabalhadores. Continuaremos trabalhando para alavancar as condições de trabalho dos milhares de entregadores e entregadoras que escolhem a nossa plataforma para trabalhar todos os dias.
Para resultados ainda mais efetivos, a empresa integra, por meio da Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), o Grupo de Trabalho criado pelo Governo Federal para discutir a regulação do trabalho intermediado por aplicativos. A maioria dos eixos do relatório Fairwork Brasil está sendo contemplada nas discussões do GT, como remuneração mínima equivalente ao salário-mínimo nacional; limitação de horas trabalhadas; segurança e saúde do trabalhador; e integração ao sistema público de previdência, entre outros pontos. O iFood já possui importantes iniciativas para a valorização de entregadores e entregadoras. Em julho deste ano, aumentamos o ganho em 4,5% – é o terceiro ano consecutivo com reajustes, e somos a primeira empresa brasileira a apoiar a Carta-Compromisso Ethos sobre Trabalho Decente em Plataformas Digitais.
Lalamove – nota 0
A Lalamove tem o compromisso de empoderar as comunidades locais tornando as entregas rápidas e simples, maximizando oportunidades de ganhos para motoristas parceiros e promovendo a democratização da logística para micro e pequenas empresas.
Nossas políticas e iniciativas estão voltadas para garantir condições de trabalho dignas aos motoristas parceiros, nos atentando às sugestões de usuários e motoristas para oferecer um ambiente seguro para o exercício das atividades de entregas.
A Lalamove participa ativamente das discussões acerca da regulamentação do trabalho intermediado por aplicativos, por meio da Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia- Amobitec, no GT instituído pelo Ministério do Trabalho, integrado por representantes do Governo Federal, trabalhadores e empresas, e reforça seu engajamento em contribuir no avanço desse debate e na construção de políticas públicas no Brasil para o setor.
Loggi – nota 0
A empresa não respondeu até o fechamento da reportagem.
Parafuzo – nota 1
A Parafuzo reafirma o seu compromisso de construir e manter um ecossistema transparente, socialmente justo e capaz de criar oportunidades de trabalho digno e geração de renda para milhares de profissionais autônomos. Já intermediamos mais de um milhão de serviços em lares brasileiros e atuamos em mais de 250 cidades, com alto impacto social.
Tal compromisso é amplamente reconhecido, desde 2014, pela imensa maioria dos mais de 5 mil profissionais prestadores de serviços domésticos de limpeza, passadoria de roupas e montagem de móveis que utilizam nossa plataforma, por meio da qual obtêm remuneração significativamente acima da média nacional, em benefício de suas famílias e comunidades.
Este é o primeiro ano que a Parafuzo é reportada na pesquisa do Fairwork Brasil e, por meio de nosso diálogo e colaboração com a iniciativa, pudemos reforçar esse nosso compromisso, buscando o aprimoramento contínuo de nossas políticas, fortalecendo instrumentos de proteção social e ampliando a transparência de processos operacionais.
Adotamos, neste sentido, um programa de seguros para acidentes pessoais e de vida decorrentes desses acidentes para todas as diaristas e montadores que utilizam a plataforma, publicamos informativos de segurança e aprimoramos canais de suporte em tempo real e ouvidoria para receber e tratar as preocupações, reclamações ou sugestões, entre outras iniciativas que integram um projeto contínuo e conduzido em amplo diálogo com nossa comunidade.
Visando melhorar ainda mais esses resultados, seguiremos trabalhando em linha com nosso compromisso social, com os princípios da promoção de trabalho digno e colaborando para a criação de políticas que ampliem a proteção social dos prestadores de serviço que utilizam as plataformas digitais como meios para sua atuação profissional.
Rappi – nota 0
O Rappi considera que a sustentabilidade de seu ecossistema digital somente é possível quando os três elos de sua cadeia são beneficiados, dentre os quais estão os entregadores parceiros. Desta forma, a empresa mantém um diálogo constante com eles e está permanentemente atenta a soluções que possam favorecê-los. Dentre outros pontos, são oferecidos a eles centros de atendimento presenciais, suporte em tempo real, cursos de capacitação, informativos de segurança no trânsito, botão de emergência para situações de risco, seguro para acidente pessoal, invalidez permanente e morte acidental e dois planos de assistência à saúde.
Uber – nota 0
O documento divulgado pelo Fairwork Brasil carece do rigor científico mínimo para que possa ser classificado como um trabalho de pesquisa. A metodologia tem falhas que comprometem os resultados e impedem que a iniciativa seja usada na construção de melhorias aos maiores interessados: quem usa aplicativos para trabalhar.
A Uber esclarece que não participou do relatório e apresentou seus problemas há mais de seis meses, quando foi convidada por representantes do Fairwork Brasil a colaborar com a iniciativa.
Da mesma forma que na edição anterior, a metodologia do Fairwork Brasil adota um modelo de pontuação baseado em avaliações arbitrárias e influenciado por concepções ideológicas sobre o modelo de funcionamento das plataformas e sobre a natureza da relação entre elas e os parceiros. Não é considerada, por exemplo, a premissa de flexibilidade que motoristas têm para decidir quando e quanto dirigir e quais solicitações de viagens querem atender ou recusar. Este é o aspecto mais valorizado pela categoria, segundo o Datafolha.
Além disso, o relatório se apoia em uma sondagem que ouviu apenas 8 motoristas, amostra sem qualquer representatividade estatística – no que a entidade aponta como de “estratégia bola de neve” – o que demonstra total desacordo aos padrões de organismos internacionais de pesquisa de opinião, como Esomar (European Society for Opinion and Marketing Research) ou AAPOR (American Association of Public Opinion Research).
Como reconhece em posicionamento público, a Uber acredita que é preciso avançar em mecanismos que melhorem a proteção social dos trabalhadores de aplicativo para que esses profissionais independentes possam exercer plenamente sua atividade.
Nos últimos anos, em diálogo constante com motoristas parceiros, a Uber vem implementando medidas nessa direção, embora saibamos que ainda há muito o que avançar.
Esses avanços têm se apoiado em pesquisas realizadas por institutos especializados, como Datafolha, BID e Cebrap, que aplicam metodologia com as melhores práticas do setor para modelar a amostra, mitigar vieses e obter dados representativos do universo desses trabalhadores.”
Fonte: Extra