No cruzamento da avenida Faria Lima com a rua dos Pinheiros —região da capital paulista que concentra muitos bares e restaurantes—, um grupo de entregadores se encontrou em abril deste ano para questionar as condições de trabalho para o iFood, como atrasos no pagamento e bloqueios no aplicativo.
Entre eles, Antônio*, 28, estava irritado porque aquele era o quarto dia em que não conseguia fazer entregas. Segundo o trabalhador, a empresa havia combinado que os pagamentos seriam realizados semanalmente, às quartas-feiras, o que não estaria sendo cumprido. Ele reclamou da situação no grupo da empresa no Telegram —e foi excluído de lá, relata. O problema é que o grupo é justamente o meio pelo qual é gerenciada a atividade dos entregadores. Fora dele, Antônio não tinha como escolher o turno e ficou sem trabalhar.
A empresa, no caso, não é o iFood, mas uma das dezenas de intermediárias classificadas como Operadoras Logísticas (OL) com as quais o aplicativo firma contratos para gerenciar sua rede de entregadores.
Em uma investigação exclusiva, a Agência Pública teve acesso a um contrato que prevê escala e turno de entregadores e até mesmo direitos trabalhistas que não estão sendo cumpridos. Antônio e outros entregadores não têm conhecimento dessas regras. Para trabalhar para a Sis Moto e começar a atuar como OL, ele diz, foi necessário enviar apenas um documento com foto e “não foi pedido para assinar nada”, relata.
Segundo um contrato assinado em 2017 entre o iFood e uma OL, obtido pela reportagem, a OL Sis Motos se responsabilizou pelo registro em carteira profissional de trabalho de todos os entregadores, por obedecer as normas e regimentos internos de segurança do iFood, por garantir que todos estejam uniformizados e com capa de chuva, GPS e smartphone com pacote de dados e, dentre outras coisas, por todas as despesas referentes a combustíveis, manutenção, licenciamento das motocicletas e seguro.
Em contrapartida, no documento, o iFood “se obriga” a enviar mensalmente para a Sis Motos a escala dos entregadores “por dia e turno para o mês subsequente, indicando o número mínimo e máximo de entregadores a serem disponibilizados” pela terceirizada, que oferece uma quantidade de entregadores para cumprir a escala enviada mensalmente pelo iFood.
O acordo entre o aplicativo e a empresa prevê até mesmo consequências caso um entregador se ausente por qualquer motivo, mesmo que justificado: ele deverá ser substituído imediatamente ou ser trocado, em até 24h, caso o iFood solicite por escrito.
A reportagem questionou o iFood, que respondeu que 20% de mais de 200 mil entregadores cadastrados no aplicativo trabalham para operadores logísticos: o que equivale a 40 mil trabalhadores.
Segundo a empresa, “o iFood não tem nenhuma ingerência ou gestão sobre a empresa que optou pela plataforma para prestar serviços de delivery. Essas empresas têm liberdade para conduzir seus negócios e são responsáveis por contratar os seus entregadores e por fazer toda a gestão sobre eles, em conformidade com as regras de Compliance e Código de Ética do iFood”.
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